domingo, 1 de abril de 2012

A Lição do Silêncio

Desde o ano letivo 2004/2005, ano do meu estágio na minha formação de base - Educação Física, que recebo a Newsletter do Lerparaver, isto porque esse ano foi um ano de muita aprendizagem e nela incluo a experiência (que não tinha, nem de longe) de ter um aluno invisual numa aula de Educação Física. Um miúdo muito persistente, ambicioso e, acima de tudo, lutador. E provavelmente, a ele devo o rumo que tomei no ensino.

Hoje, ao receber essa Newsletter, resolvi clicar e fiquei encantada com algumas das lições de vida que por ali são contadas.

Quero partilhar convosco um poema "Lição do Silêncio", de um rapaz surdocego, Marco Poeta.

Sozinho eu queria caminhar com o auxílio da bengala branca,
Mas ouço mal e acabo inseguro no passeio,
Sem saber quando posso atravessar a rua parado no meio…
Custa-me saber quando o carro pára ou avança…

Ai, se eu pudesse voar desta maldita gaiola dourada!
Não sou feliz preso e dependente dos outros para tudo…
Pior do que ser cego é ser surdo!
Muito do essencial me escapa e me deixa a alma destroçada…

Foi uma alegria sem igual
Todo o amor e esforço da minha família
Para eu voltar a ouvir com uma biónica cóclea
A doce maravilha do som que transformou o meu visual!

Ah, que emoção sem comparação vibrando no meu coração!
Muito amo a minha família que me apoia nos maus momentos.
Sem ela não se mitigavam os meus tormentos,
E a surdez era a mais execrável solidão, uma desolação!

Apesar desta felicidade imensa,
Continuo a ter muitas dificuldades em ouvir…
O caminho que tanto desejo por mim descobrir
Está cheio de obstáculos como a floresta densa…

E fico preso aos outros contra minha vontade…
Juro que não consigo ir sozinho onde gostava de ir.
Mesmo que os ame, livre gostava de ir…
No mundo não há nada mais sagrado do que a liberdade!

Liberdade para ser feliz.
Liberdade como fazes falta!
Oh, liberdade! Até o Poeta te exalta!
Liberdade de locomoção é o que sempre quis…

É a febre de quem se sente preso,
Pois que nado para voar fui feito
Assim o defendo como um natural e básico direito.
Mas como sou surdocego é apenas um desejo…

Seria uma realidade se eu não fosse surdo,
Os meus ouvidos seriam os meus olhos
E não teria estes chatos abrolhos.
O cego ouve, o surdo vê e o surdocego tem de tocar tudo.

Assim é a minha vida.
Com a urgência de tocar e de sentir.
E imagino o que está longe do meu sentir
É o sonho de uma imagem há muito perdida.

Muitas pessoas não falavam comigo por receio,
Pois eu não as ouvia e tinham de me escrever na mão.
Agora ouço-as e é possível mantermos uma conversação.
Mas quando são várias pessoas de ruído fico cheio…

O emprego para o surdocego é mais difícil que para o cego
Que pode ter um cão-guia e uma audição apurada,
Essa serve-lhe de orientação e de escada.
Feliz dele que pode o que não pode o surdocego…

Ouvir é o que tanta falta me faz…
Esbarro muitas vezes com a inacessibilidade,
Mas com o Braille e a tecnologia consigo alguma igualdade
E de muitas coisas já sou capaz!

Mas é pena não poder ter mais…
E se parasse de cismar na desgraça?
E se me deleitasse com o buliço da praça?
A vida é feita de subtilezas que os alegres valorizam como especiais!



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