Tese de doutoramento "Há vida para lá do trabalho" revela que os docentes não conseguem desligar-se da profissão no final de um dia de aulas. A autora da investigação, Maria Alexandra Costa, professora do Instituto Superior de Engenharia do Porto (ISEP), obteve um dado curioso: segunda-feira é o dia mais difícil.
Durante duas semanas, no ano letivo passado, 100 professores do pré-escolar ao Ensino Secundário foram seguidos atentamente. Maria Alexandra Costa, professora do Instituto Superior de Engenharia do Porto (ISEP), acompanhou os docentes e colocou-lhes várias questões em duas fases, ou seja, antes do início de mais uma jornada de trabalho e depois das portas da escola se fecharem. Na tese de doutoramento "Há vida para lá do trabalho - A relação entre a recuperação de recursos e o desempenho no trabalho", a investigadora analisou um grupo profissional com elevados níveis de stress e concluiu que os docentes não conseguem desligar o botão quando chegam a casa.
A pesquisa revela que os docentes não conseguem recarregar baterias quando acaba um dia de trabalho, funcionando, por isso, como "uma bateria viciada". "A partir do momento em que têm níveis de stress muito altos, não conseguem recuperar de forma a não sentirem stress no dia a dia", refere a investigadora ao EDUCARE.PT. Quando o dia acaba e a porta de casa se abre, há muitos professores que têm aulas para preparar, testes para corrigir ou precisam de ajudar os filhos nos trabalhos para a escola. Nestas condições, é complicado interromper a rotina, desligar o interruptor e relaxar antes de ir para a cama. "Torna-se mais complicado, parece que o professor está sempre a trabalhar porque recorre a recursos semelhantes aos que usa no trabalho."
E se, à partida, a segunda-feira poderia ser o dia mais relaxante, depois de um fim de semana para descansar o corpo e a cabeça, o estudo da docente do ISEP indica que o primeiro dia da semana é o mais complicado para quem tem de ensinar. Sexta-feira é o dia em que os professores começam a distanciar-se psicologicamente do trabalho, aplicando-se o efeito de contaminação de fim de semana, à segunda-feira é o momento de enfrentarem mais uma semana de aulas. "É ao fim de semana que mais recuperaram, que se sentem mais em forma, mas quando regressam ao trabalho, o confronto com a realidade parece provocar uma sensação de desgaste maior", afirma.
Maria Alexandra Costa partiu da teoria da recuperação de recursos - cognitivos, psicológicos e emocionais - para tentar perceber se os professores conseguiam recarregar baterias nos tempos de lazer. A maioria não consegue encher o balão de oxigénio, descarregar todo o stress, recuperar em atividades que lhes permitam respirar tranquilamente. "Há três processos que têm impacto nesse carregamento de baterias: a capacidade de se envolverem em atividades que lhes permitam afastar-se psicologicamente do trabalho, o relaxamento e o sono", explica.
"Apesar de os professores terem uma grande necessidade de recarregar baterias, até porque têm um desgaste muito grande ao longo do dia, têm uma inabilidade para o fazer", sustenta. Por isso, a investigadora defende que cada professor deve encontrar a sua própria forma de relaxamento que pode passar por praticar ioga ou um desporto, frequentar um workshop de teatro ou de dança, ir ao cinema, meditar. A escolha é de cada um. O processo de relaxamento de uma pessoa pode ser completamente diferente de outra.
As escolas também podem dar uma ajuda neste processo. "As salas de professores são tudo menos espaços de relaxamento", observa. Portanto, a docente sugere que os responsáveis educativos se debrucem sobre o que pode ser feito para que os docentes consigam relaxar, nem que seja por alguns momentos, dentro do recinto escolar. Como, por exemplo, criar condições para que os professores façam todas as tarefas relacionadas com o ensino na escola, de forma a definir fronteiras entre a vida profissional e a vida privada. Em seu entender, a própria organização escolar podia incentivar os docentes a envolver-se em atividades que promovam relaxamento e bem-estar e assim criar clubes de leitura, classes de ginástica, sessões de relaxamento, tertúlias, entre outras. E para que o desempenho seja o melhor possível, o período antes do início das aulas deve ser o mais relaxante possível, com uma sala de professores simpática e, se possível, com música ambiente.
"O que as pessoas fazem nos seus tempos livres tem impacto naquilo que é o seu trabalho", reforça a investigadora. O sono também faz milagres e naturalmente influencia o estado de recuperação matinal que, por sua vez, se reflete no desempenho ao longo do dia. "O efeito do sono, a quantidade e qualidade desse descanso, tem um impacto muito grande na recuperação."
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